EDUCAÇÃO
8 em cada 10 estudantes paraenses relatam sintomas de ansiedade e depressão, aponta estudo
Realizado pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com o CAEd e a Secretaria de Educação do Pará, o levantamento analisou cerca de 6 mil alunos e mostra que competências socioemocionais como autogestão e resiliência emocional estão diretamente ligadas à aprendizagem e à saúde emocional dos estudantes
O Instituto Ayrton Senna acaba de divulgar dados da Avaliação do Futuro, um dos maiores mapeamentos no Brasil sobre o impacto das competências socioemocionais no desempenho e bem-estar de estudantes da rede pública. A avaliação, que integra as ações de monitoramento dos sistemas educacionais, foi realizada nos estados de Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará e Paraná em parceria com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd), da Universidade Federal de Juiz de Fora, e no estado do Ceará. O levantamento compõe um esforço nacional para compreender como aspectos emocionais e sociais interferem nos resultados de aprendizagem dos estudantes e na convivência escolar.
No Pará, 6.205 mil estudantes da 2ª série do Ensino Médio foram escutados. Na avaliação, foram identificadas correlações significativas entre o desenvolvimento de competências como autogestão, engajamento com os outros e abertura ao novo e o desempenho em Língua Portuguesa e Matemática. Estudantes com maiores níveis de autogestão — a capacidade de planejar, persistir, manter o foco e lidar com desafios — apresentaram notas superiores e vínculos mais significativos com seus pares e adultos da escola.
Os resultados também revelam que o desenvolvimento socioemocional está diretamente relacionado à saúde mental dos alunos. O que chama atenção é o fato de 8 em cada 10 estudantes paraenses relatarem um ou mais sintomas de ansiedade e depressão, com 32% sentindo-se esgotados, 31% perdendo o sono por preocupações e 19% afirmando sentir-se incapazes de superar dificuldades.
Entre os sintomas mais recorrentes, o levantamento mostra:
- 32% relataram sentir-se bastante ou totalmente esgotados e sob pressão
- 31% frequentemente perderam o sono por causa de preocupações
- 19% disseram estar bastante ou totalmente infelizes ou deprimidos
- 20% perderam bastante ou totalmente a confiança em si mesmos
- 19% relataram sentir-se bastante ou totalmente incapazes de superar suas dificuldades
- 22% afirmaram ter dificuldade para se concentrar em suas tarefas
“Esses números refletem desgastes emocionais que precisam ser olhados com cuidado. A saúde mental é multifatorial — envolve relações consigo mesmo, com os outros e com o contexto em que se vive. Entre os adolescentes, essas pressões podem ter origens diversas: desafios próprios da faixa etária, vulnerabilidades contextuais, desigualdades sociais, preocupações sobre o futuro (como a proximidade do vestibular), a convivência na escola, as expectativas familiares ou sociais e as comparações nas redes sociais. Tudo isso impacta a motivação e a confiança dos estudantes em suas próprias capacidades”, explica Ana Crispim, gerente de pesquisa no eduLab21, laboratório de ciências para a educação do Instituto Ayrton Senna, doutora em Psicologia pela University of Kent (Reino Unido) e especialista em psicometria.
Além disso, Crispim destaca que a escola tem um papel central nesse processo. “Além de identificar fatores de risco associados à prejuízos na saúde mental, as escolas precisam mirar em fatores protetivos como fortalecer espaços seguros, onde vínculos sólidos entre alunos e educadores favorecem a escuta, o acolhimento e o encaminhamento adequado. Programas estruturados de desenvolvimento socioemocional podem ser aliados nessa missão, ao estimular autoconfiança, engajamento, a construção de uma rede de apoio e estratégias de regulação emocional”.
O mapeamento socioemocional mostra que esses números são ainda mais altos para meninas: 22% relatam ter perdido bastante ou totalmente a confiança em si mesmas, em comparação a 17% dos meninos.
De acordo com Crispim, essa informação vai ao encontro de outras pesquisas nacionais e internacionais que mostram que meninas apresentam queda nas suas estratégias de resiliência emocional e de saúde mental desde o início da adolescência.
“Sentimentos como tristeza, raiva e ansiedade tendem a ser mais complexos e difíceis para que o adolescente os administre, algo que parece ser ainda mais acentuado entre meninas. A adolescência é um período desafiador: fatores como a insatisfação com o corpo, somada à força dos padrões de beleza e das comparações e expectativas sociais, pesam no dia a dia. Por isso, o desenvolvimento de recursos e estratégias para melhor regular suas emoções e a contar com a compreensão e apoio dos adultos, fazem muita diferença nessa jornada”, explica Crispim.
Outros dados que podem ajudar a compreender o cenário de maneira mais aprofundada são referentes a vivência de bullying no contexto escolar. Cerca de 24% dos estudantes relataram sobre bullying por um ou mais motivos, sendo que a aparência do corpo, do rosto e raça/cor foram os motivos mais frequentemente relatados pelos estudantes. Esse tipo de violência sistemática traz consequências para vida de quem o experencia tanto no curto como no médio e longo prazo, afetando não apenas sua saúde mental, como também o desempenho acadêmico.
Para Gisele Alves, gerente executiva do eduLab21, os dados reforçam a necessidade de olhar para a educação de forma mais ampla. “Não há bala de prata. É preciso adotar múltiplas estratégias — pedagógicas, psicológicas e sociais — para construir respostas efetivas à crise de saúde mental entre os jovens. E isso passa por políticas intersetoriais que unam educação, saúde e assistência social”, destaca.
Alves lembra também que os professores são atores fundamentais nesse cenário. “Promover saúde mental na escola significa criar um ambiente onde aprender e se sentir bem caminham juntos. E isso vale para os estudantes e para os docentes, que enfrentam seus próprios desafios emocionais e precisam ter apoio nessa relação cotidiana com os alunos”.
A Avaliação do Futuro é fruto de esforços de longo prazo do Instituto Ayrton Senna e que ganha reforços a partir de sua parceria com CAEd, consolidando a liderança brasileira em estudos sobre educação baseada em evidências. Os resultados se somam a mais de uma década de pesquisas do eduLab21 que reforçam o papel das competências socioemocionais como eixo central de uma educação de qualidade e equitativa.
Sobre o Instituto Ayrton Senna
Fruto do sonho do tricampeão mundial de Fórmula 1, o Instituto Ayrton Senna é um centro de inovação que busca acelerar a qualidade da educação pública no país. Fazemos isso por meio de pesquisa e inovação, implementação de programas educacionais e contribuição com políticas públicas. Realizamos parcerias com redes de ensino públicas em todo o Brasil para promover alfabetização, melhoria da aprendizagem, desenvolvimento das habilidades socioemocionais e gestão educacional. Em todos eles, trabalhamos com diagnósticos, formação de educadores e gestores, estabelecimento de metas, monitoramento de indicadores e oferecendo ferramentas e materiais educacionais para serem utilizados em sala de aula. Ao longo de nossa atuação, o Instituto já realizou mais de 39 milhões de atendimentos a crianças e jovens em cerca de 3 mil municípios. Diante dos desafios socioambientais de hoje, acreditamos que transformar vidas por meio da educação seja um caminho essencial para a construção de um país mais justo e um futuro mais sustentável para todos e todas.




