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CULTURA

Com novas produções e mais diversidade, Pará se prepara para voar mais alto nas telas do cinema

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Em 24 de abril de 1912, inaugurou em Belém (PA) a sala de cinema Olympia, época do cinema mudo. O espaço atravessou vários momentos da história cinematográfica nacional e internacional, foi considerado um dos cinemas mais modernos e luxuosos de seu tempo, frequentado pela elite e pequena burguesia paraense. Aberto até os dias atuais, o Cine Olympia é o cinema mais antigo em funcionamento no Brasil, considerando que sempre esteve na mesma localização e não interrompeu as suas atividades por muito tempo, apesar de, neste momento, estar em reforma.

Em 1960, o cineasta paulista Líbero Luxardo realizou a primeira produção longa metragem filmada no estado do Pará. Nas décadas seguintes, houve uma grande movimentação de produções cinematográficas no estado, onde foram realizados muitos filmes no formato 8mm – obras autorais, de caráter independente e de baixo custo, sem cunho comercial. Alguns exemplos são os filmes “Festa de São Pedro na Vigia” (1980), de Januário Guedes; “Círio Outubro 10” (1970), de João de Jesus Paes Loureiro; e “Matadouro” (1975), de Vicente Cecim.

Contudo, não há informação sobre mulheres cineastas no estado nesta época. Na pesquisa de Pedro Veriano, que conta as suas memórias, histórias e vivências sobre a sétima arte no Pará, a primeira cineasta citada é Risoleta Miranda, que realizou “Saias, Laços e Ligas”, de 1990, o que dá a entender que ela é a pioneira. 

Sobre a presença negra e indígena, os registros são ainda menores. Paulo Miranda, cineasta negro, da Vila da Barca, produziu cerca de oito longa-metragem, iniciando no audiovisual em 1986, no projeto “TV Juventude”, desenvolvido pelo Centro de Estudos, Documentação e Informação de Base, em Belém.

Nos tempos atuais, produtoras e cineastas independentes do estado do Pará estão em momento de euforia controlada. A Lei Paulo Gustavo investiu cerca de R$ 115 milhões para o setor no estado e os editais locais contaram, pela primeira vez, com adoção de políticas afirmativas para pessoas negras e de povos originários, além de estimular a inclusão de pessoas com deficiência. O resultado está sendo uma grande onda de novas produções e projetos cinematográficos que alimentam a cultura paraense.

Entre 2024 e 2025, serão realizados mais de 12 longa-metragens, 80 curta-metragens, 12 obras seriadas, mais de 40 projetos de cineclube e cinema itinerantes, além de diversos projetos de formação. Nos municípios, as prefeituras ainda ficaram com parte da verba da lei para investir em atividades locais.

O relatório de Streaming Global do Finder, de 2021, mostra o Brasil como o segundo país que mais consome serviços de streaming. Segundo levantamentos recentes, os belenenses têm percentuais de acesso numericamente acima da média nacional em nove das 14 atividades culturais pesquisadas. No campo audiovisual, 47% dos entrevistados foram ao cinema no último ano e, em casa, a TV (82%) e o celular (64%) são os principais meios para assistir a filmes e séries. Em tempos de crescimento mundial de acesso a filmes, a previsão da Deloitte para 2030 é de que o mercado mundial de filmes movimente cerca de R$170 bilhões. 

Agora, com o final dos recursos da Lei Paulo Gustavo, produtores e cineastas paraenses se preocupam em como vão conseguir manter suas produções e comercializá-las com o mundo, levando a história do Pará contada por paraenses, aquecendo o mercado de trabalho e ampliando as políticas de diversidades alcançadas por meio do governo federal.

Rafael F. Nzinga, diretor da produtora Cine Diáspora, produtora que atuou de janeiro de 2024 até janeiro de 2025 em cerca de sete projetos, movimentando cerca de 800 mil reais, empregando mais de 270 pessoas, 94% delas moradoras do estado do Pará, ressalta a importância das políticas afirmativas, que vieram com a Lei Paulo Gustavo e ajudaram na potencialização da produtora. 

“Em 2023, fechamos o ano com uma dívida em torno de R$ 20 mil. Em 2024, produzimos dois cineclubes, realizamos a quarta edição do Festival Zélia Amador de Deus, temos dois curta-metragens que serão lançados ainda em 2025, e desenvolvendo um longa-metragem. Mesmo não utilizando da política afirmativa em nenhum desses projetos, a política afirmativa foi fundamental para que tivéssemos ‘coragem’ de investir. Hoje já temos um quadro de funcionários fixos com quatro pessoas, uma sala e equipamentos de primeira linha para captação de imagens, o que nos colocou em vantagem para concorrer a verbas ainda maiores”, comenta.

Além da política afirmativa para pessoas negras, outra política que surgiu efeito muito positivo foi a reserva de vagas para pessoas indígenas. O roteirista Porakê Munduruku destacou que representantes dos povos originários participaram diretamente da elaboração dos editais de cultura no estado e asseguraram cota de 10% para proponentes indígenas. Entretanto, indígenas de áreas mais rurais do Pará ainda enfrentam dificuldades de acesso a essas políticas.

“Sentimos a necessidade de maiores investimentos por parte do estado e dos municípios que nos permitam uma maior capilaridade dessas políticas e nos deixem menos dependentes de recursos vindos do governo federal para fomentar a cultura”, diz.

Já na produção audiovisual indígena, Porakê ressalta a importância de indígenas ocuparem não só as funções de personagens, mas também de diretores, roteiristas e diretores de fotografia dos projetos. “Indígenas ainda são muito mais o tema ou os personagens exóticos de produções e narrativas encabeçadas por não indígenas do que protagonistas em nossas próprias histórias. Queremos ver cada vez mais diretores e roteiristas indígenas encabeçando todo o tipo de projeto audiovisual, sobre qualquer tema ou personagens, mas sempre a partir de nossas perspectivas originárias. Queremos a liberdade de questionar o que é próprio ou conveniente aos realizadores indígenas”.

Segundo pesquisa da Ancine, 97% dos filmes que receberam financiamento público, até 2022, foram realizados por homens brancos, e a adoção dessas políticas afirmativas é importante para que outras histórias possam surgir. 

Outro dado importante é que a maior parte dos filmes longa-metragens realizados no Brasil estão focados em empresas da cidade do Rio de Janeiro e São Paulo. Tayana Pinheiro, mulher negra, que atua no audiovisual há mais de oito anos, sócia da Marahu filme, que este ano lançou o filme “Vatapá ou Maniçoba” em horário nobre na Rede Globo, com mais de 16 milhões de telespectadores, fala sobre como essa política de descentralização afetou a produtora.

“O filme, que é uma coprodução com a Globo Filmes, trouxe números significativos não só de alcance, mas também em empregos diretos e indiretos gerados e famílias impactadas, seja por meio da distribuição de renda ou através da narrativa que revive a memória afetiva paraense. Ter a oportunidade de produzir um filme com equipe 100% paraense, com narrativa daqui e que alcançou todo o Brasil foi um divisor de águas para a produtora, tanto no que tange a aproximação com um set de ficção que é complexo de várias formas à visibilidade alcançada no mercado do audiovisual nacional. Com certeza esta produção foi um ótimo indicador de que aqui se produz conteúdo de qualidade e que pode alcançar as telas de todo o Brasil e do mundo”.

Quais os desafios para que a produção de filmes paraense não caia?

O potencial da indústria audiovisual no Brasil foi analisado pela Oxford Economics, que divulgou um estudo em 2023 mostrando que o setor gerou mais de 126 mil empregos e R$ 24,5 bilhões para o PIB de 2019. Os impactos diretos, indiretos e induzidos do audiovisual são ainda maiores, com participação de R$ 55,8 bilhões no PIB e mais de 657 mil empregos gerados.

Por isso, o setor é considerado uma indústria: são pessoas que trabalham com cinema diretamente, com direção, fotografia, montagem, produção, áudio e outros, além dos que são contratados indiretamente, alimentação, transporte, produtores locais e mais. Cada dinheiro investido no setor, segundo a mesma pesquisa da Oxford, gera um efeito multiplicador de 2,3, ou seja, gasta R$1,00 e gera R$2,3 em impostos, serviços, ingressos para cinema e outros.

Segundo Rafael F Nzinga, o estado do Pará precisa investir de fato no setor. “O estado precisa se atentar para a política audiovisual e sua complexibilidade. Temos no estado a Lei do Audiovisual, que já foi sancionada, mas até hoje não foi regulamentada, sozinha esta lei pode trazer mais de R$ 30 milhões por ano para o estado investir em cinema, se pensada junto com os arranjos regionais por exemplo, programa do Governo Federal, esse valor pode ser multiplicado gerando ainda mais filmes, empregos e levando a cultura paraense mais longe”.

Sobre a Lei Milton Mendonça

Sancionada pelo governador Helder Barbalho em 2021, a Lei Milton Mendonça é uma proposição do deputado estadual Carlos Bordalo (PT), que trata sobre a promoção, fomento e incentivo ao audiovisual no âmbito do Estado do Pará, e cria o Conselho Consultivo do Audiovisual. A concepção da Lei é um marco importante para a cultura paraense, como afirmação de identidade cultural, valorização e instrumento de política pública de fomento e geração de emprego e renda, mas, desde 2021, aguarda no poder executivo sua regulamentação.

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