MEIO AMBIENTE
Incêndio no Pantanal já tomou quase metade das terras indígenas
“O fogo se iniciou de fora da terra indígena. Quando veio, veio com tudo, entrou de uma hora para outra”, relata à reportagem o educador indígena Estêvão Bororo, conhecido como Estevinho. A Pública procurou Estevinho depois de ter verificado, nas imagens de satélite, que a TI Tereza Cristina, do povo Bororo, estava tomada por focos de incêndio. O território, que fica numa área de transição do Cerrado para o Pantanal no município de Santo Antônio do Leverger, registrou 86 focos de incêndio, 81 deles apenas nas duas primeiras semanas de setembro.
“A terra é cortada pelo rio São Lourenço: a margem esquerda do rio pegou fogo, cercou duas aldeias, queimou uma ponte. Depois, o fogo avançou em direção à aldeia Córrego Grande, que foi a mais impactada. Veio com tudo, cercou até mesmo as residências. Apesar de não ter pego fogo nas casas, nosso líder precisou ir para Rondonópolis porque inalou muita fumaça. Temos idosos, gestantes, puérperas [mulheres que pariram recentemente], crianças”, relata Estevinho.
Segundo o indígena, as queimadas haviam começado primeiro fora do Pantanal, na área de Cerrado da TI Tadarimana, que fica no município vizinho de Rondonópolis – região de plantações de soja, algodão e milho. Estevinho conta que, em julho, incêndios tomaram 60% da Tadarimana. Já agora em setembro, com a migração das queimadas para a área da Tereza Cristina e de outras terras dos Bororo no Pantanal, indígenas precisaram sair de suas casas e se refugiar justamente na Tadarimana, que enfrentou as queimadas antes.
A situação é crítica também na Baía dos Guató, terra do povo Guató, no município de Barão de Melgaço, vizinho de Santo Antônio do Leverger. Os dados de satélite do Inpe registram 57 focos de incêndio na área em setembro e 85 em agosto. Quase toda a extensão da terra foi tomada por focos.
“As queimadas destruíram roças, queimaram casas. O fogo destruiu uma parte bem grande do nosso território, destruindo muitas árvores, animais, aves, prejudicando nossa fauna e flora e a nossa segurança alimentar, porque destruiu nossas roças. Estamos muito preocupado com as nossas matas porque é delas que retiramos o nosso sustento, as nossas medicações tradicionais. Com a queimada, tudo isso está comprometido. Não encontramos mais muitas ervas que usamos para tratar das enfermidades e também a palmeira acuri, que utilizamos para fazer cobertura das casas tradicionais e alguns utensílios, e pra fazer a chicha, uma bebida tradicional. Tudo está acabando”, desabafa Alessandra Guató.
A terra dos Guató fica próxima ao Parque Estadual Encontro das Águas, que também foi tomado por focos de incêndio: foram 456 apenas em agosto e setembro. Segundo reportagem do G1, 85% da área do parque foi destruída pelas queimadas.
O território dos Guató é um exemplo de como focos de incêndio podem proliferar em propriedades privadas para depois atingir TIs e unidades de conservação. No início de agosto, quase não havia focos de incêndio ao norte da terra dos Guató. Com o passar dos dias, eles passaram a ser registrados em áreas de reserva legal e mata nativa dentro de propriedades privadas ao norte da área indígena. Em seguida, surgiram incêndios dentro da TI. Ao final do mês de agosto, já havia focos em quase todo o território indígena, e 36 foram registrados em apenas um dia.