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MEIO AMBIENTE

Garimpo ilegal de Manganês deixa um rastro de destruição no Pará

Polícia Federal já abriu 60 inquéritos para apurar crimes ambientais referentes à extração ilegal de manganês

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Foto: Reprodução / Fonte: Blog Zé Dudu

A Polícia Federal já abriu 60 inquéritos para apurar crimes ambientais referentes à extração ilegal de manganês no sudeste do Pará. Os inquéritos detalham a participação no esquema criminoso que envolve empresários, pessoas ligadas a políticos e empresas de fachada criadas para driblar a fiscalização e sonegar impostos.

Nossa reportagem teve acesso com exclusividade a trechos da operação Migrador, deflagrada pela Polícia Federal em 2018, que desvendou o modus operandi de uma organização criminosa   responsável por causar prejuízo fiscal e ambiental com extração clandestina de manganês em Parauapebas e Curionópolis, no Pará.  

Conhecendo melhor as engrenagens do esquema e seus personagens, a Polícia Federal intensificou seu trabalho de inteligência, com quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico dos envolvidos, autorizado pela justiça e passou a monitorar as ações dos membros da organização, que inclui dezenas de pessoas da região.

Segundo uma fonte da Polícia Federal que acompanha de perto as investigações, dezenas de pessoas envolvidas com a extração ilegal já foram identificadas.  “Temos mapeados todo esse pessoal que atua de maneira irregular e vamos imputar responsabilidades.  Até o momento são cerca de 60 inquéritos, que correm em segredo de justiça”, disse, citando os desdobramentos das investigações da operação Migrador.

Esses inquéritos detalham a participação de cada um dos envolvidos, moradores de Marabá, Parauapebas e Curionópolis, além de empresas que compram o minério ilegal e agentes públicos que facilitaram a falsificação de documentos para “esquentar” o minério ilegal.

“Alguns inquéritos precisam ser aprofundados.  Outros já estão prontos para que o Ministério Público possa oferecer denúncia contra os acusados”, diz a fonte da Polícia Federal, que no ano passado intensificou o cerco à extração ilegal de manganês, que é um crime de usurpação de bens da União.   “Identificamos mais 50 pontos de extração ilegal perto da Vila União (Marabá) e outros na região do Sereno (Curionópolis)”.

Dano ambiental irreparável

No ano passado a extração ilegal de manganês na região chamou a atenção das autoridades em Brasília ao ameaçar linhas de transmissão que levam a produção da hidrelétrica de Belo Monte aos estados do Sudeste. Na época a operadora do linhão informou que a ação dos garimpeiros ameaçava danificar as torres de energia, com risco de derrubá-las, o que poderia gerar blecautes de grandes proporções em todo o país.

“Eles jogam os rejeitos nos igarapés, colocam em risco linhas de transmissão”, diz a Polícia Federal, que faz um alerta: “O dano ambiental é irreversível. ” O epicentro dessa atividade ilegal é a Serra do Sereno e Vila União, onde o trânsito de caminhões carregados com minério ilegal pelas estradas de terras é intenso.    

O resultado dessa ação predatório é um cenário desolador. Centenas de hectares de floresta foram devastados, rios assoreados e pilhas de rejeitos estão a céu aberto. “A extração ilegal de manganês é a principal responsável pela degradação do meio ambiente entre os municípios de Marabá, Parauapebas e Curionópolis”, disse uma ambientalista da região que prefere não se identificar com medo de represálias.

De acordo com ela, são necessárias providências do governo federal e estadual para recuperação ambiental das áreas degradadas.  “Se essas áreas não forem recuperadas com mata nativa e limpeza dos rios, em breve teremos um fenômeno de desertificação na região, pois o ecossistema está fragilizado e sua capacidade de regeneração é baixa”, avisa.

O garimpo ilegal produz uma imagem completamente incompatível com uma atividade importante para a economia do País, que é a mineração baseada no desenvolvimento sustentável, alicerçada na preservação do meio ambiente, informa o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), entidade que representa as empresas que atuam no setor.

Para o IBRAM a prática da atividade de forma artesanal, caracterizada pela mão-de-obra precária e sem conhecimento técnico, traz grandes impactos para o meio ambiente, além de afetar a imagem do setor.

Procuramos a Secretária do Meio Ambiente do Estado (Semas), para que ela se manifestasse sobre quais medidas tem tomado para coibir a extração ilegal de manganês e proteger matas e nascentes do garimpo clandestino. Até o fechamento desta reportagem, o órgão não se manifestou sobre os questionamentos da nossa reportagem.

Novas Rotas de transporte   

Segundo a Polícia Federal, o porto de Barcarena é o principal ponto de escoamento do minério irregular. “A falta de controle facilita a passagem das cargas irregulares. Existe também a questão de corrupção envolvendo agentes públicos”, diz a fonte que acompanha as investigações.  Para driblar a fiscalização, após a Polícia Federal intensificar suas operações, os agentes descobriram que a organização está utilizando portos do Ceará e da Bahia para escoar a produção clandestina.

 A nova rota sai de Sapucaia, no Pará, atravessando a fazenda Rio Vermelho até chegar à Balsa do Pontão, divisa do Pará com Tocantins.  De lá os caminhões seguem para Araguaína (TO), com destino ao porto de Mucuripe (CE). Outra rota utilizada pela quadrilha, sai de Redenção, passando por Casa de Tabua, atravessando a balsa que dá acesso à Caseara (TO). Ao chegar no Tocantins os caminhões seguem para Bahia, Minas Gerais e São Paulo.

Trades esquentam minério

Os investigadores descobriam também que o minério extraído ilegalmente na região abastece indústrias da China, Índia, Cingapura e Taiwan. O embarque é organizado por trades, como é chamada as empresas que intermediam o negócio de compra e a venda de minério. Entre elas, a Polícia Federal investiga a empresa Sigma, trade chinesa, que possui área de exploração de manganês no Ceará.

 “Eles estavam utilizando a autorização da mina do Ceará, que produz minério de baixo teor, para esquentar o minério de boa qualidade extraído ilegalmente no Pará”, diz a fone na Polícia Federal.  A Sigma teve minério apreendido no ano passado, quando tentava embarcar uma carga para a China no porto de Barcarena.

Outra trade que teve minério apreendido e está sendo investigada é a China Invest. A Trust, empresa catarinense, também é outra investigada por fazer parte do esquema.  De acordo com a Polícia Federal, todas as pessoas ligadas a essas trades foram identificadas, incluindo chineses que moram no Brasil e são o braço financeiro da quadrilha que movimenta milhares dólares todos os anos sem pagar impostos e provocando danos ao meio ambiente. 

Mas não é só para China o destino do manganês extraído ilegal na região. Empresas de São Paulo e Minas Gerais estão na lista de compradoras do minério ilegal. Umas das empresas investigadas é a Granha Ligas, com sede em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais. Ela nega que esteja comprando minério ilegal.

“Em qualquer negociação exigimos documentações que comprove a procedência legal do minério”, disse Geraldo Luiz Carazza, administrador da empresa.  Segundo ele, o minério só entra nas fabricas após a documentação “atestar a origem legal do material que compramos”. Porém quando perguntado se comprava minério no Pará, ele disse que sim, desde que “estivesse legal”, contudo, não revelou quais seriam seus fornecedores de manganês na região para que pudéssemos checar sua versão.

Clonagem de notas

Funcionários de transportadoras estão evolvidas no esquema, de acordo com Polícia Federal. Eles estariam vendendo notas clonadas de mineradoras que possuem permissão para lavrar minério de manganês na região.  Uma dessas empresas, a RMB, teve mais 400 notas clonadas. A empresa informou que, após tomar conhecimento das clonagens, contratou uma auditória, que constatou a fraude.

A Buritirama, maior produtora   de manganês do Brasil, que atua na região, informou que não tem   conhecimento de clonagens de suas notas fiscais pelos extratores ilegais, mas que ao tomar conhecimento dessa fraude fiscal pela reportagem vai investigar o assunto internamente. A empresa reforçou que rechaça qualquer atividade fora da legalidade.

Vida de luxo e ostentação

Um personagem que foi preso durante a operação Migrador citado em vários trechos de diversos inquéritos é Thyago da Rosa Borges, vulgo Thyago da Favorita. Ele é elemento chave no esquema, segundo a Polícia Federal, pois possui relação estreita com vários investigados.  Em um dos inquéritos, Thyago, é acusado de extrair minério ilegal e de pagar propina para que agentes públicos não atrapalhem suas atividades de extração clandestina de manganês na Vila União.  

A PF descobriu ainda que Thyago tinha uma vida de ostentação. Ele alugava aviões, andava em carros de luxo e com grande quantia de dinheiro em espécie. Em um vídeo apreendido em seu celular, que consta como prova e está apenso aos autos do processo, Thyago e o irmão aparecem numa pista de pouso esperando para embarcarem num avião particular. De forma jocosa brincam que são os “magnatas do minério”.

Para a Polícia Federal o uso de várias aeronaves fretadas regularmente é mais um indicativo do forte poder financeiro do grupo. Embora negue as acusações, a Polícia Federal possui provas robustas da participação de Thyago no esquema criminoso que devasta o meio ambiente, incluindo fotos e vídeos dele em áreas de exploração ilegal de manganês, documentos apreendidos e conversas telefônicas entre os membros do grupo.

Os investigadores descobriram ainda que a quadrilha mantinha uma vigilância constante sobre fiscais do Ibama.   Os criminosos mandaram fotos de um servidor em conversas por aplicativo. A Políciaacredita que essa foto enviada para membros do grupo tinha a intenção de intimidar o servidor.  “Seria mais um dos modus operandi da quadrilha, agindo com finalidade de manter sua empreitada criminosa”, diz a Polícia Federal.

Procuramos a Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão do governo federal responsável por fiscalizar a atividade no País, para comentar as principais ações de combate à extração ilegal de minério de manganês no Pará. Até o fechamento da reportagem, a agência não havia respondido aos questionamentos.

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